Eu, Flávio Josefo, nascido entre as muralhas sagradas de Jerusalém, fui moldado pelas palavras e pelas letras. Mas nada nos livros que estudei, nada nas histórias que ouvi em minha juventude, poderia me preparar para os horrores que testemunhei nesta guerra. Os deuses, em sua crueldade ou desígnio, me concederam a amarga dádiva de ser o narrador dos últimos dias de minha cidade, e das tragédias que nela se desenrolaram.
Em meio à revolta que devastava a Judéia, chegou-me aos ouvidos a notícia de uma aliança inesperada, forjada nas terras distantes da Germânia. Mortag Votadini, rei dos germânicos, um homem conhecido por sua ferocidade e astúcia, decidiu voltar suas forças contra Roma. Mas, em vez de atacar diretamente o coração do Império, Mortag traçou um plano sombrio: ele se ofereceria como aliado de Vespasiano e Tito, os generais que lideravam o cerco a Jerusalém. Assim, ganharia a confiança de Nero, apenas para, no momento certo, desferir o golpe final contra ele. Mortag veio à Judéia com um exército de bárbaros, homens que, por onde passavam, deixavam um rastro de destruição e medo.
Enquanto isso, em Roma, as sombras do poder dançavam ao som das intrigas e ambições de um homem chamado Zanon. Servo de Nero, Zanon era um intelectual com o coração envenenado pela política. Sabendo que o imperador desejava mais que a simples vitória – ele desejava um espetáculo que eternizasse sua glória – Zanon arquitetou um plano nefasto. Ele recrutou Furius, um gladiador cuja fúria era tão lendária quanto sua habilidade mortal, e Robus, um político sem escrúpulos, cuja ambição o tornava perigoso em qualquer arena. Esses homens, tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais em sua selvageria, foram enviados à Judéia com uma missão clara: esmagar a revolta judaica e transformar Jerusalém em um símbolo de poder e dominação romanos.
A viagem de Furius e Robus foi longa, mas seu impacto, devastador. Quando chegaram, Jerusalém já estava sitiada, seus muros pressionados por todos os lados. Vespasiano e Tito, agora reforçados pelos germânicos de Mortag, apertavam o cerco, enquanto dentro da cidade, nosso povo se preparava para a luta final, movidos pela fé e pelo desespero.
Foi em um desses dias sombrios, quando o sol se escondeu atrás de uma nuvem espessa de poeira e sangue, que aconteceu um dos atos mais trágicos desta guerra. Furius, aquele que havia conquistado a glória nas arenas de Roma, trouxe sua lâmina e sua ira para o campo de batalha diante das muralhas de Jerusalém. Lá, ele encontrou Eliazar Ben Simão, um dos três maiores líderes da nossa revolta, um homem cuja coragem e liderança inspiravam esperança em cada um de nós. Eliazar, com sua espada erguida, lutava como se o próprio Javé o guiasse, mas mesmo ele não era páreo para a fúria bestial de Furius. Em um combate que parecia ter sido orquestrado pelos próprios deuses para selar nosso destino, Furius desferiu o golpe que tirou a vida de Eliazar.
Eu estava nas muralhas, observando tudo, quando o corpo de Eliazar caiu ao chão, o sangue jorrando de sua ferida mortal e tingindo de vermelho o solo sagrado de Jerusalém. Um grito de dor e desespero se ergueu da cidade, e soube, naquele momento, que havíamos perdido não apenas um líder, mas uma parte vital da nossa alma. O exército romano, ao ver nosso espírito quebrado, avançou com mais ferocidade, certos de que o fim estava próximo.
Mas mesmo diante dessa tragédia, nossos guerreiros, Zelotes e Fariseus, lutavam com um fervor que apenas a convicção na justiça de sua causa poderia inspirar. Os romanos, e agora os bárbaros germânicos, avançavam implacavelmente, mas cada passo que davam era contestado com sangue e aço. Eu, Flávio Josefo, assistia, impotente, enquanto a cidade que amava se tornava um campo de batalha infernal.
O cerco apertava, a fome começava a nos corroer por dentro, e a esperança de vitória se desvanecia como névoa ao amanhecer. Porém, mesmo diante de tamanha adversidade, Jerusalém resistia. As muralhas, ainda de pé, eram um símbolo de nossa determinação, mas eu sabia, no fundo do meu coração, que seu colapso era apenas uma questão de tempo. Enquanto as legiões romanas recuavam momentaneamente para reavaliar suas estratégias, Robus, com sua astúcia, se infiltrava na cidade. Em disfarce, ele penetrou nossas defesas, trazendo consigo promessas de traição e ruína.
Agora, com Eliazar morto, Jerusalém sitiada e a traição à espreita, pergunto-me qual será o destino dessa cruel guerra. O que restará de Jerusalém, de nosso povo, de nossos sonhos? Somente os deuses conhecem a resposta, e eu, com o coração pesado de dor e dúvida, continuo a escrever, pois se há algo que posso fazer, é garantir que a verdade desta tragédia seja conhecida.
O futuro de Jerusalém pende na balança, e o desfecho está próximo. Serei eu o cronista do nosso fim, ou das nossas últimas glórias? Só o tempo dirá.
Ataque do "Scorpio" durante o cerco a Jerusalém |